blog Foto: Jessica Edel/Notas de Viagem

Guerra do Contestado: história, monumentos e legado em Irani (SC)


 

 

Quem trafega pela BR-153 e já passou por Irani provavelmente notou, em algum momento, um cemitério situado no quilômetro 63. Ao lado dele, há uma construção de madeira que abriga um museu. Ambos os locais são identificados com placas, sendo monumentos históricos da Guerra do Contestado.

Para os mais atentos, no topo de uma colina, é possível avistar duas mãos segurando uma cruz. Muitas vezes, na correria da viagem, não há tempo para parar e explorar, mas a curiosidade sobre o significado desse espaço certamente surge.

Através deste artigo, busco esclarecer alguns pontos importantes sobre esse local, que foi cenário de batalhas decisivas e mudou o rumo da história da região do Contestado.

A Guerra do Contestado

É importante abordarmos sobre a razão, pela qual existem esses monumentos em Irani: a Guerra do Contestado, que teve origem após importantes acontecimentos na região. A seguir, alguns tópicos resumindo a origem do conflito: 

  • A disputa por terras nas proximidades da fronteira entre Santa Catarina e Paraná, áreas ricas em erva-mate e madeira;
  • A construção de uma ferrovia que conectaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, realizada pela empresa norte-americana Brazil Railway Company;
  • A crise social gerada pelo desemprego dos trabalhadores que participaram da construção da ferrovia, mas que ficaram sem ocupação após sua conclusão;
  • O envio de tropas federais com o objetivo de destruir a comunidade do Quadrado Santo, fundada por José Maria do Santo Agostinho, líder messiânico;
  • Pelo fato de a região ser contestada pelos dois estados, o conflito recebeu o nome de Guerra do Contestado. 

A Guerra foi um conflito armado que aconteceu no período de 1912 e 1916, na região sul do Brasil, envolvendo principalmente os estados de Santa Catarina e Paraná. Uma área de terras com cerca de trinta quilômetros de largura, que se estendia pelos dois estados, foi desapropriada para a construção da Estrada de Ferro que conectaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, provocando a expulsão dos posseiros da região e a falência de vários pequenos fazendeiros. 

Este episódio histórico, teve como protagonistas os habitantes locais, conhecidos como "caboclos", e as forças militares do governo brasileiro, que buscavam controlar aquela região rica em erva-mate e por onde seria construída a estrada de ferro ligando São Paulo ao Rio Grande do Sul.

Havia a presença de empresas privadas, como a empresa norte-americana Brasil Railway, que buscavam explorar a ferrovia e outras riquezas locais. A disputa pela posse de terras e recursos naturais gerou um intenso conflito, com confrontos violentos, mortes e uma população local marginalizada, formada por camponeses e trabalhadores que resistiam ao avanço do poder estatal e das corporações.

O Combate de Irani foi a primeira batalha do Exército Nacional, aconteceu em 22 de outubro de 1912 entre as forças de segurança de Paraná e Santa Catarina, jagunços, vaqueanos, contra os caboclos. A Guerra do Contestado foi marcada por episódios de grande brutalidade, com massacres e extermínios de famílias e comunidades que não se alinhavam com as forças políticas dominantes. Os caboclos, liderados por figuras como o messias Antônio Conselheiro, se opunham tanto ao governo quanto às empresas, sendo uma luta pela autonomia e pelos direitos sobre as terras que habitavam. Ao longo dos quatro anos de conflito, milhares de vidas foram perdidas, e a guerra só terminou em 1916, com a vitória do governo.

O legado da Guerra do Contestado é profundo, e o conflito deixou marcas na cultura e na identidade da região. Hoje, é possível visitar diversos pontos históricos que preservam a memória dessa luta, como museus e monumentos que recordam o sofrimento e as esperanças das pessoas que participaram dessa guerra.

Mãos do Contestado

O monumento, inaugurado em 1984, é um dos maiores símbolos da guerra do Contestado. Foi criado pelo artista plástico José Alvim para representar o caboclo, como um símbolo das mãos que emergem da terra, que sustentam a cruz que representa a religiosidade do período do Contestado. As mãos estão cravadas com projéteis que feriram os caboclos, representando a opressão. O monumento representa a luta e a resistência de seu povo.

Cemitério e Museu  

No cemitério é possível observar cruzes de madeira, a maioria sem identificação, as quais indicam sepulturas de vítimas da guerra. Até a década de 1990 moradores da região podiam sepultar seus entes no local; porém hoje, o cemitério é considerado campo histórico, e não é permitida a abertura de novas sepulturas.

Ali também está sepultado o professor, escritor, compositor e historiador Vicente de Paula Teles (1931 - 2017). Conhecido com a voz do Contestado, nasceu em Irani, onde viveu até seus últimos dias. Neto de um caboclo que lutou ao lado do Exército Encantado, comandado pelo monge José Maria, durante décadas se dedicou em reunir relatos e histórias de sobreviventes e seus descendentes, construiu um valioso acervo memorial, que foi transmitido através de textos, palestras e música. 

Museu

O Museu abriga uma coleção diversificada de itens relacionados à guerra, como armas, utensílios, uniformes, ferramentas e outros artefatos que eram usados pelas pessoas envolvidas no conflito. Também possui um acervo de fotos antigas e documentos históricos, que ajudam a contextualizar os eventos da guerra e mostram as condições de vida na época. Uma parte importante do museu é dedicada aos testemunhos de sobreviventes e descendentes dos envolvidos no conflito, ajudando a manter viva a memória dos eventos e as histórias dos caboclos e suas famílias. A entrada é gratuita. 

Trilha pelo Sítio Histórico 

A primeira batalha do Contestado aconteceu em uma área de 32 hectares, o local é chamado de Banhado Grande, conhecido como o “Berço do Contestado”. 

Os visitantes podem conhecer o espaço por meio de trilhas de fácil acesso, ali é possível visitar:

Vala dos 21: local onde estão 21 pessoas enterradas que são 10 caboclos e 11 soldados mortos no combate de Irani. Foram considerados indigentes por mais de 100 anos, porém, em 2017 foi fixada uma placa com os nomes dos combatentes. Na ocasião, foram prestadas as homenagens e também foi celebrado o acordo de paz entre a Polícia Militar do Paraná e o município de Irani. 

Sepultura Monge José Maria: Onde o Monge foi sepultado, após o combate de Irani, em uma cova rasa. 

Local do combate: Ali foi onde aconteceu o combate entre militares e caboclos. No confronto morreram coronel, monge, 12 soldados e nove caboclos. 

Anfiteatro e arquibancada

Quem for visitar a Trilha Histórica, certamente irá se surpreender ao encontrar um antigo anfiteatro em frente a uma lagoa e arquibancadas em meio à mata nativa. O local foi construído em 2001 para contar a história do Contestado por meio de apresentações artísticas, como música, teatros, som e luz. Com uma área de 645 m², o anfiteatro tem arquibancadas com capacidade para 1.200 pessoas.  Infelizmente, apesar de antigo, nunca foi utilizado.

Apesar de sua construção inicial, por falta de verbas, o projeto não foi concluído. Hoje, o espaço está abandonado, com pichações e lixo ao seu entorno, deixado por aqueles que não têm nenhum respeito pela história de seu povo.

Localização

Monumento do Contestado 

Cemitério e museu do Contestado 

Fontes: Prefeitura de Irani, Brasil Escola, Uol, Wikipedia, Águas do Oeste Convention, Sapientiae (Recuperação e reabilitação arquitetônicas do Anfiteatro de Imagem, Luz e Som de Irani/SC). 

Galeria de Imagens

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Jessica Edel

Com início no meio jornalístico antes mesmo de iniciar a graduação, já passei por veículos de rádio, televisão, web, inclusive com breve colaboração ao Uol.
Após ter a oportunidade de trabalhar em diferentes meios, decidi me dedicar ao que mais me cativa: o jornalismo de Turismo.
Aqui no Notas de Viagem exponho minhas experiências em diferentes destinos pelo Sul do país.