blog Foto: Jessica Edel / Notas de Viagem

Uma visita ao maior acervo de máquinas de costura do Mundo


Legado deixado por Angelo Spricigo está em Concórdia (SC)

 

 


Jessica Edel · Matéria Notas de Viagem - Museu Angelo Spricigo


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Em uma quinta-feira, 30 de setembro, durante a tarde decidi  que no dia seguinte, quando iria para Concórdia, aproveitaria a viagem para conhecer um dos atrativos mais interessantes do município: O Museu Angelo Spricigo.  Caso você esteja aqui no blog pela primeira vez, Concórdia é onde está minha ‘casa’ - na área rural, no lugar onde nasci,cresci e considero meu lar-, mas acabei deixando para ir em busca de um sonho: a graduação em jornalismo. Meus pais ainda residem ali, então, sempre que posso, estou por lá.

Bora pegar a estrada...

Como sou uma pessoa que não gosta de atrasos, na sexta-feira (01) me organizo com antecedência, pego a minha câmera fotográfica e embarco rumo a Concórdia. Optei por sair da capital do Oeste (Chapecó) por volta das 11h30, para ir com calma e não encontrar tantos veículos pelo caminho.

A viagem foi tranquila, cheguei às 13h15 em Concórdia, estacionei meu carro e enquanto o museu não abria avisei meus familiares de minha chegada sã e salva e aproveitei para ler o novo livro do Sam Heughan e Graham Mactavish, atores da aclamada série Outlander que lançaram uma proposta literária de viagens pelo interior da Escócia (super recomendo). O tempo passou rápido com as músicas no rádio e um bom livro para me levar a uma viagem literária.

14h em ponto. Estou em frente ao museu na espera pela sua abertura. Os carros passam, as pessoas estranham e observam aquela menina com a mochila preta nas costas. 14h06, a dor na consciência começa a surgir "Como eu não liguei antes para agendar?" Bom, se for apenas por agendamento eu aceitarei o meu destino e farei tudo certo na próxima vez, reflito. Ligo para o telefone, ouço tocar. Do outro lado da linha me atende um senhor gentil, eu questiono se é necessário agendamento antecipado para visitar o museu, ele pergunta se sou de Concórdia, eu explico a situação e ele questiona: "Quando você gostaria de visitar?" eu respondo um pouco envergonhada: “Agora, se possível, estou aqui na frente”.

Ele gentilmente me informa que posso visitar e que vai abrir o portão. Fui recebida por Valdecir Giotto, neto do Sr. Angelo Spricigo. Ao adentrar pelas portas eu me vejo em uma imensidão de máquinas de costura. Paredes cheias, mesas com máquinas expostas, itens de diferentes lugares, com diferentes histórias em um só lugar: Concórdia (SC).

O acervo é vasto, tem 1917 máquinas de mais de 18 países, doadas por pessoas de diferentes lugares do Brasil. São cerca de 230 marcas já identificadas. Há máquinas de diferentes cores, países, tamanhos e pinturas. Todas organizadas em mesas ou prateleiras que preenchem as paredes daquele espaço tão bem cuidado. O local é simples, mas com muita história para contar, tanto pelos artefatos ali expostos, quanto pela história de vida de seu idealizador.

 



Nos próximos capítulos deste texto, convido você a conhecer um pouco da história das máquinas de costura e sobre Angelo Spricigo, a mente por trás desse acervo único.
História máquina de costura

Não vou me aprofundar muito na história das máquinas, apenas quero te situar de forma breve sobre uma das paixões de Angelo e “personagem principal” desta matéria.   

  •     1790 - É patenteado, por Thomas Saint, o primeiro modelo de uma máquina de costura para trabalhos em couro;
  •     1830 - O alfaiate francês Barthelemy Thimonnier apresentou seu projeto: uma máquina que usava só uma agulha de gancho e com ela conseguia dar 200 pontos em cadeia por minuto. Na época, as costureiras faziam só 30 pontos por minuto na mão;
  •     1841 - A invenção de 1830 deixou artesãos com raiva, pois graças a uma nova máquina de costura, começaram a perder seus empregos. Por conta disso, artesãos destruíram oficinas e máquinas do alfaiate francês;
  •     1846 - O norte-americano Elias Howe patenteou um modelo de máquina com lançadeira sincronizada com a agulha;
  •     1851 - Também nos Estados Unidos, apareceu a primeira máquina de costura com pedal, modelo que existe até hoje! O inventor dela é Isaac Singer;
  •     1858 - Singer monta a primeira loja de máquinas de costura no Brasil;

 


História  Angelo

Angelo Spricigo nasceu no dia 24 de abril de 1915, na cidade de Urussanga, região carbonífera, no sul do Estado de Santa Catarina. Era o oitavo filho de imigrantes italianos, e passou a infância e adolescência com dificuldades para estudar, ajudando os pais nas atividades da casa e trabalhando na roça.

Aos 19 anos conheceu e se apaixonou por Maria de Oliveira. A mulher que passara o resto de sua vida ao lado de Angelo, era descendente de portugueses e lecionava como professora em um curso primário.

Casaram-se em julho de 1935 e desta união nasceram nove filhos, O casal Spricigo teve 19 netos e 10 bisnetos.

Autodidata, Angelo trabalhou como sapateiro para sustentar a família que estava construindo junto de sua esposa. Na década de 40, os pais e irmãos de Angelo mudaram- se para o município de Concórdia, no distrito de Engano, e atualmente Serrinha, no município de Ipumirim.

Em 1944, Angelo foi visitar os seus familiares em Concórdia. Ao observar a possibilidade de progresso no local, decidiu se mudar com a família para a cidade no Oeste catarinense, que na época, inaugurou um frigorífico, para abate de suínos, e já havia um moinho de cereais em pleno funcionamento. Neste ano também começou a ser escrita a história da SADIA. Durante anos, Angelo produziu sapatos para o frigorífico.

Em 1945, ao chegar no seu novo lar, adquiriu um terreno com uma casa de madeira, na atual Rua Romano Ancelmo Fontana. Nesta casa passou a residir e continuou na profissão que já exercia, de sapateiro.

Em 1951, Angelo Spricigo deixou de trabalhar como sapateiro e passou à profissão de pedreiro. Ao longo dos próximos anos, colaborou para o crescimento de Concórdia com a construção de diferentes edificações, incluindo o Santuário de Nossa Senhora da Salete.

“Para a construção de todos esses edifícios, Angelo Spricigo contratava operários que trabalhavam sob sua orientação, pois era o mestre-de-obra, ao mesmo tempo em que trabalhava de pedreiro, carpinteiro, armador de ferragens e quando era preciso executava serviços de servente de pedreiro ou ajudante de obra.”

Desde muito jovem, Angelo se dedicava à outra paixão: a música. Tocava violino, teclado, órgão, e principalmente violão. Sempre gostou muito de cantar. Foi gerente do Coral Santa Cecília de 1959 a 1965. Na música, seu maior destaque foi a canção “Nostra Concórdia”, letra e música compostas por ele.

No ano de 1972, Angelo começou a ter problemas sérios de visão. Após consultar com médicos especialistas, foi constatado que estava com problemas de saúde e por conta disso, parou de trabalhar. Ele se aposentou e, por três anos seguidos, fez o tratamento indicado.

Não podendo mais trabalhar, comprou um violão e começou a se encontrar com os amigos na praça Dogello Goss para cantar canções que aprendeu com os pais na juventude. Ao longo dos anos, sempre teve interesse em participar e colaborar de alguma forma pelo crescimento da comunidade concordiense.

Os anos foram passando, e, em 1997, Dona Maria, companheira de Angelo, faleceu. Em meio a momentos de tristeza vividos pela família, o Sr. Angelo não desanimou e “sem querer” deu início a um de seus maiores legados.

Naquele ano, começou a ser escrita a história do Museu Angelo Spricigo.

Curiosidade:
Aos 103 anos, Angelo recebeu a Bênção Apostólica do Papa Francisco pela passagem de seu aniversário.

 


A vida de Angelo foi marcada pelo trabalho e dedicação à família e à comunidade. Foto: Museu Angelo Spricigo / Divulgação

História museu

O museu teve início em 1997 após a esposa do Sr. Angelo,  Maria de Oliveira Spricigo, falecer.

O acervo que conhecemos hoje começou por acaso. Na época, Angelo, com então 82 anos, pegou duas máquinas de costura que pertenciam à sua esposa, limpou, engraxou e gostou dessa atividade. Por conta disso, foi até o ferro velho e comprou mais algumas unidades que restaurou com muito zelo, dando “vida nova” àquelas máquinas que haviam sido descartadas.


Primeira máquina de costura do museu pertenceu à esposa do Sr. Angelo. Foto: Jessica Edel / Notas de Viagem

Foi neste momento que a história do Museu de Máquinas de costura começou a ser escrita.

  •     Em 24 de abril de 2014, o Sr. Angelo completou 99 anos e ainda trabalhava com uma de suas paixões: o conserto de máquinas de costura;
  •     Em 06 de dezembro de 2013, o museu atingiu a marca de 1.000 máquinas de costura;
  •     Em 25 de abril de 2014  Angelo Spricigo e o seu Museu receberam o troféu de Maior coleção de máquinas de costura do Brasil, entregue pela empresa RankBrasil;
  •     A coleção conta com 230 marcas e máquinas fabricadas em 18 países diferentes;
  •     As marcas Singer, Crosley, Vigorelli e Elgin são predominantes no acervo;
  •     Em 2020 o museu iria receber o reconhecimento pelo maior acervo de máquinas de costura do mundo,porém, por conta da pandemia, a entrega do reconhecimento foi adiada e deve ser entregue somente em 2022.

O Sr. Angelo faleceu em 23 de agosto de 2020, aos 105 anos de idade. Infelizmente, hoje ele já não está entre nós, mas o seu grandioso legado ficou para mostrar a importância da valorização da história para as futuras gerações.
Informações adicionais:

  •     O local é acessível para cadeirantes;
  •     A visita não é demorada, em cerca de 30 minutos é possível conhecer todo o acervo e conhecer mais sobre a história do local e de seu criador.


O Museu Angelo Spricigo está localizado na Rua Romano Anselmo Fontana, nº 346, no porão da residência do Sr. Angelo. Com entrada gratuita, o local é aberto para visitação pública de segunda a sexta-feira das 14h às 18h, exceto feriados, ou sob pré-agendamento.

Telefone: (49) 3444 - 0492
Whatsapp: (49) 98502 - 7012
Site: www.angelospricigo.com.br


Clique nas imagens abaixo e veja alguns registros feitos durante a visita ao museu!

Galeria de Imagens

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Jessica Edel

Com início no meio jornalístico antes mesmo de iniciar a graduação, já passei por veículos de rádio, televisão, web, inclusive com breve colaboração ao Uol.
Após ter a oportunidade de trabalhar em diferentes meios, decidi me dedicar ao que mais me cativa: o jornalismo de Turismo.
Aqui no Notas de Viagem exponho minhas experiências em diferentes destinos pelo Sul do país.